sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Manuscritos econômico-filosóficos – Karl Marx

Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-002-7
Tradução: Jesus Rainieri
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 176
Sinopse: Com tradução, introdução e notas de Jesus Ranieri e uma cronologia da vida de Karl Marx, a Boitempo Editorial está lançando os Manuscritos econômico-filosóficos, dentro do seu projeto de publicar no Brasil a obra completa de Marx, em novas traduções direto do alemão.
Publicados apenas após sua morte, os Manuscritos foram escritos em 1844, quando Marx tinha apenas 26 anos e antes do seu célebre encontro com Engels. Os Manuscritos econômico-filosóficos ou Manuscritos de Paris apresentam a planta fundamental do pensamento de Marx: a concentração de sua filosofia na crítica da economia nacional de Adam Smith, J.B. Say e David Ricardo. Na obra, Marx expõe a discrepância entre moral e economia, denunciando a radicalidade da exploração do homem pela empresa capitalista. Enquanto a reprodução do capital é o único objetivo da produção, o trabalhador ganha apenas para sustentar suas necessidades mais vitais, ou seja, para não morrer e poder continuar produzindo.
O fundamento da teoria da mais-valia, desenvolvida mais tarde em O Capital, já é antecipado nos Manuscritos. O estranhamento do mesmo trabalhador, fazedor de um produto que não lhe pertence, também é esboçado.
Aqui, Marx dá sinais de sua passagem do idealismo hegeliano ao materialismo dialético e declara a necessidade de “uma ação comunista efetiva” a fim de superar a propriedade privada. Se muitos dos capítulos da obra são apenas esboços, ela não deixa de oferecer um desenvolvimento quase absoluto da compreensão geral de Marx acerca das relações íntimas entre liberdade, economia e sociedade, em ensaios às vezes geniais – e inclusive acabados – como é o caso de “[Dinheiro]”, o último capítulo dos Manuscritos.

“Para o trabalhador, a separação de capital, renda da terra e trabalho é mortal.”


“O capital é trabalho acumulado.”


“Na realidade efetiva, o salário é uma dedução que terra e capital permitem chegar ao trabalhador, uma concessão do produto do trabalho ao trabalhador.
Mas, na situação em progresso da sociedade, o declínio e o empobrecimento do trabalhador são o produto de seu trabalho e da riqueza por ele produzida. A miséria que resulta, portanto, da essência do trabalho hodierno mesmo. (...)
O apelo de Lord Brougham aos trabalhadores: “Tornai-vos capitalistas!” (...) O mal é que milhões – apenas através de trabalho fatigante, corporalmente arruinante, moral e espiritualmente atrofiante – podem ganhar parcos meios de subsistência; que até mesmo essa infelicidade de ter encontrado um tal trabalho tenha de ser considerada uma felicidade. (...)
Esta constituição econômica condena os homens a ocupações de tal modo abjetas, a uma degradação de tal maneira desoladora e amarga, que a selvageria aparece, em comparação, como uma condição real.”


“O trabalhador não está defronte àquele que o emprega na posição de um livre vendedor. (...) O capitalista é sempre livre para empregar o trabalhador, e o trabalhador é sempre forçado a vendê-lo. O valor do trabalho é completamente destruído se não for vendido a cada instante. O trabalho não é suscetível nem de acumulação, nem mesmo de poupança, diferentemente das verdadeiras mercadorias.”


“A guerra industrial, para ser conduzida com efeito, exige numerosos exércitos que ela possa juntar no mesmo ponto e dizimar abundantemente. E nem por dedicação, nem por dever, os soldados desse exército suportam os esforços que lhe são exigidos: só para fugir da dura necessidade da fome. Eles não têm afeto nem reconhecimento pelos seus chefes; estes não se ligam aos seus subordinados por nenhum sentimento de benevolência; eles não os conhecem como seres humanos, mas apenas como instrumentos de produção, os quais têm de render tanto quanto possível e fazer tão poucas despesas quanto possível. Estas multidões de trabalhadores, cada vez mais pressionadas, não têm nem mesmo a despreocupação de estarem para sempre empregadas. A indústria, que os convocou a todos, somente os deixa viver enquanto precisa deles, e assim que pode libertar-se deles, ela os abandona sem a mínima hesitação; e os trabalhadores são forçados a ofertar a sua pessoa e a sua força pelo preço que se lhes quiser atribuir. Quanto mais o trabalho que se lhes dá é longo, penoso, repugnante, tanto menos eles são pagos; veem-se alguns que, com 16 horas de trabalho por dia, sob esforço contínuo, mal compram o direito de não morrer.”


“As mais importantes operações do trabalho são reguladas e dirigidas segundo os planos e as especulações daqueles que aplicam os capitais, e o objetivo que eles pressupõem em todos estes planos e operações é o lucro.”


“As mais importantes operações do trabalho são reguladas e dirigidas segundo os planos e as especulações daqueles que aplicam os capitais; e o objetivo que eles pressupõem em todos estes planos e operações é o lucro. Portanto: a taxa de lucro não sobe, como a renda da terra e o salário, com a prosperidade da sociedade, e não cai, como aqueles, com o declínio desta última. Pelo contrário, esta taxa é naturalmente baixa nos países ricos e alta nos países pobres; e nunca é tão alta como nos países que mais rapidamente caminham em direção à ruína. O interesse desta classe não tem, portanto, como as outras duas, a mesma ligação com o interesse geral da sociedade. (...) O interesse particular daqueles que exploram um ramo do comércio ou da manufatura é, em certo sentido, sempre diferente do interesse do público e, frequentemente, até mesmo contraposto a ele de maneira hostil. O interesse do comerciante é sempre o de ampliar o mercado e limitar a concorrência dos vendedores. (...) Esta é uma classe de gente cujo interesse jamais será exatamente o mesmo que o da sociedade, de gente que tem em geral um interesse, o de enganar e sobrecarregar o público.”


“Alugar o seu trabalho é começar a sua escravidão.” (Constantine Pecqueur)


“A concorrência não exprime outra coisa senão a troca facultativa, que é, ela própria, a consequência próxima e lógica do direito individual de usar e abusar dos instrumentos de toda a produção. Estes três momentos econômicos (o direito de usar e de abusar, a liberdade de trocas e a concorrência arbitrária), os quais constituem apenas um, produzem as seguintes consequências: cada um produz o que quer, como quer, quando quer, onde quer; produz bem ou produz mal, em demasia ou insuficientemente, demasiado cedo ou demasiado tarde, demasiado caro ou demasiado barato; cada um ignora se venderá, a quem venderá, como venderá, quando venderá, onde venderá; e é o mesmo quanto às compras. (...) O produtor ignora as necessidades e os recursos, a procura e a oferta. Vende quando quer, quanto pode, onde quer, a quem quer, ao preço que quer. E da mesma maneira, compra. Em tudo isto, ele é sempre o joguete do acaso, o escravo da lei do mais forte, do menos apressado, do mais rico. (...) Enquanto, num ponto, existe escassez de riqueza, no outro há excesso e desperdício. Enquanto um produtor vende muito ou caro demais, e tem um ganho enorme, o outro não vende nada ou vende com perda. (...) A oferta ignora a procura e a procura ignora a oferta. Vós produzis acreditando num gosto, numa moda que se manifesta no público dos consumidores; mas, quando estais prestes a fornecer a mercadoria, a fantasia passou e fixou-se num outro gênero de produto. (...) Consequências infalíveis, a permanência e a universalização das bancarrotas, as fraudes, as ruínas súbitas e as fortunas improvisadas; as crises comerciais, o desemprego, as saturações ou escassez periódicas; a instabilidade e o aviltamento dos salários e dos lucros; o desperdício ou o depauperamento de riquezas, de tempo e de esforços na arena de uma concorrência encarniçada.”


Ricardo, em seu livro Renda da terra: “as nações são apenas oficinas da produção, o homem é uma máquina de consumir e produzir; a vida humana, um capital; as leis econômicas regem cegamente o mundo.” Para Ricardo, os homens são nada; o produto, tudo.”


“Partimos dos pressupostos da economia política. Aceitamos suas linguagens e suas leis. Supusemos a propriedade privada, a separação de trabalho, capital e terra, igualmente do salário, lucro de capital e renda da terra, da mesma forma que a divisão do trabalho, a concorrência, o conceito de valor de troca, etc. A partir da própria economia política, com suas próprias palavras, constatamos: o trabalhador baixa à condição e mercadoria e à de mais miserável mercadoria; que a miséria do trabalhador põe-se em relação inversa à potência e à grandeza da sua produção: que o resultado necessário da concorrência é a acumulação de capital em poucas mãos – portanto, a mais tremenda restauração o monopólio; que no fim, a diferença entre o capitalista e o rentista fundiário desaparece, assim como entre o agricultor e o trabalhador em manufatura; e que, no final das contas, toda a sociedade tem de decompor-se nas duas classes dos proprietários e dos trabalhadores sem propriedade.”


A economia política oculta o estranhamento na essência do trabalho porque não considera a relação imediata entre o trabalhador (o trabalho) e a produção. Sem dúvida, o trabalho produz maravilha para os ricos, mas produz privação para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas deformação para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, mas lança uma parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz imbecilidade, cretinismo para o trabalhador.”


A relação imediata do trabalho com os seus produtos é a relação do trabalhador com os objetos da sua produção. A relação do abastado com os objetos da produção e com ela mesma é somente uma consequência desta primeira relação. E a confirma. Se, portanto, perguntamos: qual a relação essencial do trabalho, então perguntamos pela relação do trabalhador com a produção.
Até aqui examinamos o estranhamento, a exteriorização do trabalhador sob apenas um dos seus aspectos, qual seja, a sua relação com os produtos do seu trabalho. Mas o estranhamento não se mostra somente no resultado, mas também, e principalmente, no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva. Como poderia o trabalhador defrontar-se alheio ao produto da sua atividade se no ato mesmo da produção ele não se estranhasse a si mesmo? O produto é, sim, somente o resumo da atividade, da produção. Se, portanto, o produto do trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem de ser a exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade da exteriorização. No estranhamento do objeto do trabalho resume-se somente o estranhamento, a exteriorização na atividade do trabalho mesmo.
Em que consiste, então, a exteriorização do trabalho?
Primeiro, que o trabalho é externo ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu espírito. O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si quando fora do trabalho e fora de si quando no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. Sua estranheza evidencia-se aqui de forma tão pura que, tão logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade do trabalho aparece para o trabalhador como se o trabalho não fosse seu próprio, mas de outro, como se o trabalho não lhe pertencesse, como se ele no trabalho não pertence a si mesmo, mas a outro. Assim como na religião a auto-atividade da fantasia humana, do cérebro e do coração humanos, atua independentemente do indivíduo e sobre ele, isto é, como uma atividade estranha, divina ou diabólica, assim também a atividade do trabalhador não é a sua auto-atividade. Ela pertence a outro, é a perda de si mesmo.
Chega-se, por conseguinte, ao resultado de que o homem (o trabalhador) só se sente como ser livre e ativo em suas funções animais, comer, beber e procriar, quando muito ainda habitação, adornos, etc., e em suas funções humanas só se sente como animal. O animal se torna humano e o humano, animal.
Comer, beber, procriar, etc., são também, é verdade, funções genuinamente humanas. Porém, na abstração que as separa da esfera restante da atividade humana, e faz delas finalidades últimas e exclusivas, são funções animais.
Examinamos o ato do estranhamento da atividade humana prática, o trabalho, sob dois aspectos. 1) A relação do trabalhador com o produto do trabalho como objeto estranho e poderoso sobre ele. Esta relação é ao mesmo tempo a relação com o mundo exterior sensível, com os objetos da natureza como um mundo alheio que se lhe defronta hostilmente. 2) A relação do trabalho com o ato da produção no interior do trabalho. Esta relação é a relação do trabalhador com a sua própria atividade como uma atividade estranha, não pertencente a ele, a atividade como miséria, a força como impotência, a procriação como castração. A energia espiritual e física própria do trabalhador, a sua vida pessoal – pois o que é vida senão atividade – como uma atividade voltada contra ele mesmo, independente dele, não pertencente a ele.”


“Mas o trabalhador tem a infelicidade de ser um capital vivo e, portanto, carente, que, a cada momento em que não trabalha, perde seus juros e, com isso, sua existência. Como capital, o valor do trabalhador aumenta no sentido da procura e da oferta e, também fisicamente, a sua existência, a sua vida, se torna, e é sabido, como oferta de mercadoria, tal como qualquer outra mercadoria. O trabalhador produz o capital; o capital produz o trabalhador. O trabalhador produz, portanto, a si mesmo, e o homem enquanto trabalhador, enquanto mercadoria, é o produto do movimento total. O homem nada mais é do que trabalhador e, como trabalhador, suas propriedades humanas o são apenas na medida em que o são para o capital, que lhe é estranho. Mas porque ambos, capital e trabalho, são estranhos entre si e estão, por conseguinte, em uma relação indiferente, exterior e acidental, esta estranheza tem de aparecer como algo efetivo. Tão logo aconteça ao capital – ocorrência necessária ou arbitrária – não mais existir para o trabalhador, o trabalhador mesmo não é mais para si; ele não tem nenhum trabalho e, por causa disto, nenhum salário. E, aí, ele tem existência não enquanto homem, mas enquanto trabalhador, podendo deixar-se enterrar, morrer de fome, etc. O trabalhador só é enquanto trabalhador, assim que é para si como capital; e só é como capital assim que um capital é para ele. A existência do capital é sua existência, sua vida, tal como determina o conteúdo da sua vida de um modo indiferente a ele.”

Um comentário:

Doney disse...

A primeira leitura que fiz deste livro foi em 2013. No final de 2020 eu o reli, já tendo condições muito mais favoráveis de compreender as categorias filosóficas marxianas.
A opinião mudou (de regular para bom), a possibilidade de compreender tanto o debate com Hegel quanto o avanço possível se utilizando das categorias dele ficou muito mais claro.
Na Lista eu substituí então esta postagem, mais antiga e com menos trechos selecionados. De qualquer modo não apagarei esta postagem, pois ela representou o que eu julguei de mais importante em determinado período.
O link das postagens que “atualizam” esta são:
https://listadelivros-doney.blogspot.com/2021/01/manuscritos-economico-filosoficos-parte.html
https://listadelivros-doney.blogspot.com/2021/01/manuscritos-economico-filosoficos-parte_2.html