segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Meditações – Marco Aurélio

Editora: Nova Cultura
ISBN: 978-85-7302-308-4
Traduções e notas: Jaime Bruna
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 60
Sinopse: Reflexões morais do imperador-filósofo, adepto do estoicismo.



“Rebaixa-te, minha alma, rebaixa-te! Não terás mais ocasião de honrar a ti mesma, que breve é a vida de cada um, a tua está prestes a terminar e tu, em vez de respeitares a ti mesma, colocas nas almas dos outros a tua felicidade.”


“Em todos os teus atos, ditos e pensamentos, procede como se houvesses de deixar a vida dentro de pouco.
Se os deuses existem, nada há de temeroso em partir dentre os homens; eles não te haveriam de precipitar numa desgraça; mas se eles não existem ou não se importam com os assuntos humanos, que me interessa viver num mundo vazio de deuses ou vazio de providência?
Existem, porém, importam-se com os assuntos humanos e deixaram na inteira dependência do homem evitar cair nos verdadeiros males; e se houver algum outro além desses, teriam também providenciado para que dependesse de cada qual não lhe acontecer.”


“Mesmo se houveres de viver três mil anos ou dez mil vezes esse tempo, lembra-te de que ninguém perde outra vida senão aquela que está vivendo, nem vive outra senão a que perde. Assim, a mais longa e a mais curta vêm a dar no mesmo.
O presente, por sinal, é o mesmo para todos; o perdido, portanto, é igual e assim o que se está perdendo se revela infinitamente pequeno. De fato, não podemos perder o passado nem o futuro; como nos poderiam tirar o que não temos?
Lembra-te, pois, sempre destas duas máximas: primeira, que tudo, desde todo o sempre, tem o mesmo aspecto e se renova em ciclos; nenhuma diferença faz verem-se os mesmos fatos por cem anos ou por duzentos, ou eternamente; segunda, que a perda é igual tanto para o de vida mais longa como para quem morre cedo, porquanto o presente é a única coisa de que será desapossado, pois só tem este e não perde o que não tem.”


“Da vida humana, a duração é um ponto; a substância, fluida; a sensação, apagada; a composição de todo o corpo, putrescível; a alma, inquieta; a sorte, imprevisível; a fama, incerta.
Em suma, tudo que é do corpo é um rio; o que é da alma, sonho e névoa; a vida, uma guerra, um desterro; a fama póstuma, olvido.
O que, pois, pode servir-nos de guia? Só e única a Filosofia. Consiste ela em guardar o nume interior livre de insolências e danos, mais forte que os prazeres e mágoas, nada fazendo com leviandade, engano e dissimulação, nem precisando que outrem faça ou deixe de fazer nada, acatando, ainda, os eventos e quinhões que lhe tocam, como vindos da mesma origem qualquer donde vem ele próprio; sobretudo, aguardando de boa mente a morte, qual mera dissolução dos elementos de que se compõe cada um dos viventes.
Se os elementos mesmos nada têm a recear da contínua transformação de cada um em outro, por que havemos de temer a transformação e dissolução do todo? Ela é conforme com a natureza e não existe nenhum mal conforme com a natureza.”


“Não devemos ter em conta somente que, dia a dia, se vai consumindo nossa vida e restando uma parte menor, mas computar também que, se alguém houver de viver mais tempo, não se sabe se ainda terá inteligência bastante ampla para a compreensão das questões e da teoria que aspira ao conhecimento dos assuntos divinos e humanos.
Se entrar em senilidade, não lhe faltará a respiração, o nutrimento, a imaginação, os instintos e mais funções congêneres; porém o dispor de si próprio, o acertar na conta das obrigações, o analisar as aparências e, a seu próprio respeito, o examinar seja não será tempo de retirar-se e demais cogitações análogas, que requerem um raciocínio absolutamente exercitado, apagam-se antes.
É mister, portanto, apressar-se, não só por estar a morte cada vez mais próxima, mas também por cessarem, antes dela, a percepção e acompanhamento dos fatos.”


“De fato, não te é lícito, ao bem segundo a razão e os interesses do Estado, opor seja o que for de natureza diversa, como o louvor da multidão, o poder, a riqueza, o gozo dos prazeres. Todos esses objetivos, embora pareçam, por algum tempo, quadrar a tua natureza, costumam assumir de repente o domínio e desencaminhar.
Tu, repito, escolhe franca e livremente o mais valioso e apega-te a ele.
— Mas o mais valioso é o que dá proveito.
— Se tiras proveito como ser racional, adota-o; se como ser animal, confessa-o e guarda modestamente o teu juízo; apenas, cuidado para não te enganares no exame.”


“Lembra, ainda, que cada um vive apenas o presente momento infinitamente breve. O mais da vida, ou já se viveu ou está na incerteza.
Exíguo, pois, é o que cada um vive; exíguo, o cantinho de terra onde vive; exígua até a mais longa memória na posteridade, essa mesma transmitida por uma sucessão de homúnculos morrediços, que nem a si próprios conhecem, quanto menos a alguém falecido há muito.”


“A gente procura para si retiros nas casas de campo, na beira-mar, nas serras; tu também costumas anelar vivamente por isolamentos desse gênero. Tudo isso, porém, é o que há de mais estulto, quando podes retirar-te em ti mesmo à hora que o desejes.
A lugar nenhum se recolhe uma pessoa com mais tranquilidade e mais ócios do que na própria alma, sobretudo quando tem no íntimo aqueles dons sobre os quais basta inclinar-se para gozar, num instante, de completo conforto; por conforto não quero dizer senão completa ordem.
Proporciona a ti mesmo constantemente esse retiro e refaze-te; mas haja nele aquelas máximas breves e elementares que, apenas deparadas, bastarão para fechá-lo a todo sofrimento e devolver-te livre de irritação contra o ambiente aonde regressas.
Com efeito, com o que te irritas? Com a maldade humana? Reaviva o juízo de que os viventes racionais nasceram uns para os outros; que a paciência é uma parte da justiça; que não pecam por querer; que tantos já, após ódios ferrenhos, suspeitas, rancores, jazem transpassados pela lança e reduzidos a cinza; e sossega, enfim.
Porém estás irritado também com os quinhões do todo que te couberam? Recorda a disjuntiva ou uma providência, ou os átomos e todas as provas de que o mundo é como uma cidade.
Porém ainda te afetarão os interesses do corpo? Considera que a inteligência não se imiscui nas agitações, suaves ou violentas, do alento, uma vez que, recolhida, haja compreendido o seu poder próprio; recorda, enfim, tudo quanto ouviste e admitiste sobre a dor e o prazer.
Porém a gloríola te fascinará? Volta a atenção para a rapidez com que tudo se esquece, para a extensão do tempo infinito num sentido e no outro, para o vazio da repercussão, para a volubilidade e falta de critério dos aparentes aplausos e na estreiteza do espaço onde se circunscrevem.
A terra toda não passa de um ponto, e que diminuto cantinho dela é realmente a parte habitada! E ali quantos são e quem são os que te hão de louvar?
Por fim, lembra-te de teu retiro para dentro dessa nesga de terra tua e, antes de tudo, nada de tormentos e contensões; sê livre e encara as coisas como um varão, como um ser humano, como um cidadão, como um vivente mortal.
Entre as noções mais à mão, sobre as quais te inclinarás, estejam estas duas: primeira, que as coisas não atingem a alma; param fora, quietas, e os embaraços vêm exclusivamente dos pensamentos de dentro; segunda, que tudo quanto estás vendo se transformará dentro de instantes e deixará de existir. Pensa constantemente em quantas transformações tu mesmo presenciaste.
O mundo é mudança; a vida, opinião*.”
Em suma, lembra-te disto: dentro de brevíssimo tempo estareis mortos tu e ele, e logo mais de vós não restará nem o nome.”
*: O aforismo é de Demócrito.


“Ocupa-te de pouco para viveres satisfeito.” (Demócrito)


“Se eliminarmos a maior parte de nossas palavras e ações, não farão falta, e nos sobrarão mais lazeres e sossego. Deves, por isso, de cada vez, lembrar a ti mesmo: Não será isto uma das coisas dispensáveis?
Aliás, devemos eliminar não só os atos mas também os pensamentos desnecessários, pois assim tampouco os seguirão os atos que acarretam.”


“És uma almazinha carregando um cadáver.” (Epicteto)


“Nada acontece a ninguém que sua natureza não suporte. Acontecem as mesmas coisas a outrem e, seja por ignorar que elas acontecem, seja por ostentação de altivez, mantém-se firme e permanece ileso.”


“A morte é o descanso das repercussões sensórias, do titerear dos impulsos, das divagações do intelecto e dos serviços à carne.”


“O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha.”


“Perto estás de esquecer tudo e de ser esquecido de todos.”


“Na maioria dos sofrimentos, ademais, acuda-te a máxima de Epicuro: a dor não é insuportável nem eterna, se te lembrares dos seus limites e não a ampliares com a imaginação.”


“A alegria do homem consiste em fazer o que é próprio de homem. Próprio de homem é querer bem ao seu semelhante, desprezar as comoções dos sentidos, distinguir as ideias fidedignas, contemplar a natureza do universo e os acontecimentos conformes com ela.”


“Concede a ti mesmo este momento presente. Quem aspira de preferência à celebridade no futuro não leva em conta que os homens de então hão de ser tais quais os de agora, que mal suporta; aqueles também serão mortais.
Que te importa, em suma, que eles façam eco a tais ou quais vozes ou tenham tal ou qual opinião a teu respeito?”


“O pecado de outrem cumpre deixá-lo onde está.”


“Sinceridade deliberada é cutelo.”


“Admira-me muitas vezes como cada um, embora ame a si mesmo acima de todos, dá menos valor à sua opinião a seu respeito que à dos outros.”


“Nada é mais insuportável que o orgulho impando sob a capa da modéstia.”

2 comentários:

Doney disse...

O livro possui cinco autores distintos – que não só possuem mais de 500 anos de distância entre o mais antigo e o mais recente, como também perpassam variadas posições sociais – filósofos, senador e até mesmo um imperador romano.
Desta maneira não haveria como inseri-lo na lista como um único livro, já que na estrutura do blog o elemento classificatório é o autor. Então, para não confundir e desestruturar a lista, as postagens serão divididas consoante os autores, com suas respectivas obras e número de páginas que efetivamente ocupam neste livro.

Sugestão de Livros disse...

Destaco o trecho: Com efeito, com o que te irritas? Com a maldade humana? Reaviva o juízo de que os viventes racionais nasceram uns para os outros; que a paciência é uma parte da justiça; que não pecam por querer; que tantos já, após ódios ferrenhos, suspeitas, rancores, jazem transpassados pela lança e reduzidos a cinza; e sossega, enfim.